sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

DÍVIDA

               Chegou bem escovado. Queria impressionar. Tênis, calça surrada (mas era jeans), camiseta (I Love U.S.A.), pasta preta no sovaco. Será que ela não vai brigar comigo? Talvez não!? Naquela porta giratória não queria passar não. Se apitar, onde me encaixo? Não. Deixei o guarda-chuva com minha mãe lá fora.
            Tinha muita gente naquele banco. Todos sentados, olhando para um melhor lugar: aquele quadrado que marcava um número vermelho. Era a senha. Ficou olhando para ela. Parecia televisão. Se ela não brigar, vai ficar tudo bem! Do lado, uma moça descabelada arregaçava um moleque no peito, devia estar com fome. No outro, o bigode com a maleta: devia ter muito dinheiro. Se tivesse... compraria 10 cestas básicas por mês no bar do Fumão. Mas ela estava lá. Vestida de amarelo e um rasgo grande no peito. Mas será que é grande assim? Ai Deus, o que ando pensando?
            O número vermelho mudou. Eu vou demorar ainda. O banco enchia de gente. Conta telefônica, PIS/PASEP? Depósito, Empréstimo. Não faça isso moça. É duro pagar depois.
            A moça de peitos grandes parou de trabalhar. Ficou ali conversando com um rapaz. Alto. Estavam sorrindo. Com toda certeza não vai brigar comigo. Ele ainda ficou esperando, olhando o número mudar. A moça sorria, cruzava as pernas, colocava a mão na bochecha surpresa. Que riso lindo! Que...
            Voltou a trabalhar. Aluguel Atrasado, Depósito, PIS/PASEP, este é no INSS primeiro, depois o senhor volta aqui.
            Mudou o número. Era ele. Foi direto, guiado pelo decote da moça. Sentou. Limitou-se a tirar os papéis da pasta. Seu CPF, qual é? 24.375.980.xx. Ela tinha olhos verdes. De longe não dava para ver. Era verde mesmo. Bonita. Como Deus podia fazer aquilo? Os olhos dele eram negros. Só. Ela virou-se para o computador. Dedos ágeis. Conversava com a máquina. Um sorriso, UFA!!! Um puxar das sobrancelhas. A linda testa lisa começa encher de sulcos. O que era?
            A mocinha olhou para ele. Você não pagou nenhuma parcela. O Banco já processou... Ela fala prazerosamente. Com água na boca. Todos ouvindo. Ele foi ficando pequeno, diminuto, grão de areia. Era ou não um castigo? Parecia que o moleque havia largado o peito da descabelada para rir dele. Mas já tinham ido.
            O Banco ficou pequeno e silencioso. O número vermelho não mudou mais. Os guardas estavam atentos. Babavam. A moça ficou verde com olhos vermelhos. Os peitos cresceram e arrebentaram o vestido, os cabelos ficaram suspensos no ar. Apareceram espinhas.
            Eu não pude pagar. Estava com dificuldades e... não ouviu mais nada. O computador havia engolido sua fala, documentos, papéis. Juros e mais juros. Queria chorar. Que dor de cabeça. Será que terei um aumento?
            A mãe queria falar, mas ele estava longe. Parece que uma lágrima havia sorrido. Respirava.

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